Porque Tudo Muda...

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Mais perto...

E era uma observação antiga, talvez nunca tivesse sido notada, quem sabe existisse distância demais...

De repente o apartamento que passava por entre lugares, pessoas e anos foram se diluindo. Os olhos mais insistentes, a voz mais marcante, as letras mais subjetivas e os abraços mais... ah! Os abraços, estes ficaram mais...

Igualmente à vontade, que aos poucos se tornou cada vez mais evidente e aí sucedia a dúvida: será? Neste momento era chegada a hora de ter a sensação... Sensacionalmente perceber qual seria o momento de explosão daqueles enunciados tão recorrentes depois de algum tempo.

Cada vez mais perto: o tempo, os lugares, os dois, os olhares, a voz... a pele! E a pele se comunica de forma verdadeira... não insinua, não dissimula, não oculta, simplesmente transpira sua vontade. E ficou evidente que o desejo era uníssono, dividido em dois corpos... Vontade daquele beijo naquele abraço! E em um frisson, o tempo parou e aquela observação antiga se transformou em ato.





Marcadores:

sábado, 24 de dezembro de 2011

Anotações sobre a escravidão no Brasil Império...[3]

No livro, Encruzilhadas da liberdade, Walter Fraga Filho busca acompanhar a trajetória de escravos e libertos durante as duas décadas que antecederam a abolição, 1888, e os primeiros vinte anos que seguiram aquele evento. Walter utiliza esse recorte temporal como tentativa de avaliar as conseqüências e implicações da abolição em uma das regiões que abrigou uma das mais duradouras sociedades escravistas das Américas, o Recôncavo Baiano.  Nesse livro o autor foca seus estudos nos escravos das grandes propriedades açucareiras, em uma tentativa de perceber como o fim do cativeiro repercutiu no cotidiano de parte da população negra que ali habitava. Walter utiliza-se de vários tipos de fontes documentais (matrículas e listas de escravos anexas aos inventários post-mortem), inventários, processos-crime, correspondência pessoal e policial, memórias escritas e orais além de possuir um vasto conhecimento na bibliografia nacional e internacional que trata da Bahia, do Brasil e de outras regiões do continente americano. O cruzamento dessas informações possibilitou acompanhar os indivíduos e grupos familiares ao longo do tempo, informações como localidades em que nasceram e residiram, nomes das propriedades em que trabalharam ofereciam indícios dos percursos individuais e as redes sociais em que estavam inseridos após o fim do cativeiro (esse cruzamento de informações, o historiador Robert Slenes chamou de “ligação nominativa”, utilização do nome para desvendar percursos individuais e redes sociais).
Ao se debruçar sobre o Recôncavo Baiano, local onde se concentrava as atividades econômicas mais importantes da Bahia no século XIX. O autor demonstra que ali se encontravam os maiores engenhos (sendo São Francisco, Cachoeira e Santo Amaro os maiores produtores de cana), o autor salienta que nessa região havia áreas de plantio de fumo e gêneros alimentícios (feijão, mandioca, milho), quem tinha como finalidade abastecer as vilas próximas. Visando saber mais sobre as características da população escrava da região, Walter realiza um levantamento detalhado dos cativos registrados em inventários de senhores falecidos entre 1870 e 1887 (fonte inventários do Arquivo Público do Estado da Baia). Com esses dados ele percebe que em alguns engenhos (os documentos estudados faz menção a dez propriedades) o numero de mulheres era superior ao de homens em algumas propriedades, o que contrastava com o apogeu a produção açucareira onde a proporção era de dois homens para uma mulher. Com a proibição do trafico de escravos foi constatado que a composição étnica das comunidades negras estava passando por mudanças (10% africanos, 65,3% crioulos e 24, 5% pardos e cabras), verificando que os nascidos no Brasil constituíam quase 90% os trabalhadores.



 
Foi constatado que durante esse período muitos senhores de engenho utilizavam de mecanismos para que suas propriedades não ficassem paradas, dentre eles: utilização de mão de obra livre, onde ao final dos serviços eram remunerados (lembrando que os serviços mais pesados eram destinados aos escravos), utilização de escravos alugados de outras propriedades. Além do trabalho no ganho, na criação, caça e pesca os escravos podiam produzir a própria subsistência em pequenas parcelas de terra, chamada de roça, segundo Pedro Calmon em seu ensaio sobre o fabrico do açúcar, essa medida distraia as idéias dos escravos, impossibilitando-os de participar de revoltas. Com a criação da Lei do Ventre Livre, assinada em 1871, que considerava livre os “ingênuos”, filhos nascidos de escravos a partir daquela data. Essa lei criou expectativas de liberdade, esperança de uma vida sem escravidão, sendo assim essa lei interferiu na forma como os escravos se comportavam diante dos senhores o que gerou tensões e conflitos.
Walter também analisa em detalhes a história do assassinato de um frade carmelita conhecido como João Lucas, assassinado por onze escravos em 1882. Conta a história oral que o frade trazia à escravaria a rédea curta, a qualquer falta os negros eram penalizados. Numa época de intenso debate sobre o fim do cativeiro, realçar a brabeza do senhor frade e o revide escravo trazia uma mensagem bastante contundente para quem ainda acreditava na sobrevida do velho escravismo. O autor inseriu esse acontecimento no momento histórico e principalmente na dinâmica das relações sociais escravistas, onde nos últimos anos da escravidão no Brasil essa relação foi marcada por intensas tensões sócias e conflitos, provados em vários estudos da época.
Walter Fraga aponta a ligação dos escravos dos engenhos aos abolicionistas e às populações livres, libertos e cativos da cidade, uma vez que essas conexões sociais no contexto dos embates escravistas são fundamentais para entender como as agitações de rua repercutiram nas relações escravistas dos engenhos. As notícias se espalhavam por toda a província, chegavam até as regiões mais longínquas. Isso possibilitava aos escravos acesso ao que se discutia nas cidades ou em outros engenhos sobre a escravidão, visto que os libertos eram importantes informantes. Foram passando os anos e as fugas se intensificaram, e para os senhores ficava mais difícil reaver os escravos fugidos. Na década de 1870, populares impediram o embarque de escravos para outras províncias, e houve confrontos com policiais. Na década de 1880, muitos indivíduos oriundos das camadas populares militaram no abolicionismo organizado. Acirraram os conflitos entre abolicionistas e senhores de engenho. Desse modo, as repressões aos abolicionistas aumentaram, já que concomitantemente cresciam as fugas coletivas, desobediências e insubordinações dos escravos, que muitas vezes eram atribuídas ao movimento abolicionista. Então, poucos dias antes de anunciar a Abolição, muitos senhores de engenho perceberam que não adiantava as tentativas de prender os escravos pela “dívida de gratidão” e que o antigo paternalismo senhorial era insuficiente para conter a desordem das propriedades.



A notícia da abolição definitiva do cativeiro foi bastante festejada nas senzalas dos engenhos e nas cidades da região. Os festejos de 13 de maio transformaram-se grande manifestação popular, certo de que o povo nas ruas, maioria egresso da escravidão, era algo que não era bem visto pelas autoridades. Para se afirmar como livres, os ex-escravos procuravam se distanciar do passado da escravidão. Já muitos senhores de engenho sucumbiram financeiramente após a perda de mão-de-obra escrava, uma vez que a abolição coincidiu com a crise econômica que atingia a lavoura canavieira baiana, implicando em dificuldades de subsistência que diminuiu até o poder de negociação dos libertos com os senhores. Destarte, nas memórias, romances e relatos feitos pelos senhores de engenho, a abolição apareceu como ruptura decisiva dos padrões, etiquetas e valores estabelecidos. Então, os senhores de engenho com dificuldades queriam tirar proveito, buscando indenizações – linhas de crédito. Igualmente, esperavam arrancar do governo leis que garantissem algum controle sobre os libertos. A partir de 1888, intensificaram-se as queixas dos senhores de engenho em relação aos incêndios de canaviais, era forma de sabotagem bastante usada pelos escravos. Porém, os senhores de engenho buscavam se aproveitar politicamente dos episódios, e posteriormente se convenceram das inconveniências das leis anti-vadiagem.
Com o 13 de maio pessoas e famílias utilizaram diversas estratégias e arranjos para se manterem de pé e dar sentido as suas vidas. Ocorreram mudanças nas trajetórias de vida, alteração de sobrenomes, aprendizados de novas profissões (sobretudo aqueles que tentaram melhores condições de vida na cidade), reaproveitamento das experiências profissionais e dos laços sociais elaborados no tempo de cativeiro, elementos que ajudam a elucidar os caminhos  escolhidos pelos ex-cativos. Maracangalha é um dos engenhos que reúne as características acima descritas, muitos egressos se mudaram para esse engenho a fim de rever parentes e fixar moradia, muito desse deslocamento foi um prolongamento das crescentes fugas de escravos a partir da década de 1880, originada a partir da fragmentação da sociedade escravista como um todo. As autoridades cada vez mais interferiam nas relações entre senhores e escravos, explodiram denúncias em jornais abolicionistas, bem como denúncias feitas pelos próprios escravos a autoridades policiais. Deste modo, Maracangalha que fora abandonado pelo seu dono, o Barão Moniz Aragão (que com constantes conflitos com seus escravos foi para outro engenho seu, o Mataripe), significou aos recém-libertos a experiência de liberdade, direito a terra para plantar, acesso livre às feiras locais, a possibilidade de decidirem com autonomia sobre a produção  e valores a serem comercializados, bem como o tempo de ócio e lazer. Os ex-cativos reagiram as práticas que tentaram persistir da época da escravidão, como por exemplo, a ração dada como alimento e a obrigação de pedir permissão ao senhor para se locomoverem.




Outros ex-escravos  decidiram ir para as cidades, o autor analisa os seguintes destinos: Santo Amaro, Cachoeira, São Sebastião do Passé e Salvador, além de outros que decidiram retornar para a África. Esses deslocamentos tanto poderiam significar o reatamento de laços afetivos como o distanciamento do passado escravista, além da perspectiva de melhora de vida. Ao chegar às cidades desempenharam atividades variadas, as maiorias aprendidas na época da escravidão tentaram na maioria das vezes reproduzir laços afetivos e de amizade  do tempo do cativeiro em meio a urbe. Muitos, no entanto não encontraram "lugar para ficar" engrossando  as fileiras de desempregados e vadios, imagem que começou com as alforrias em massa que se intensificaram na década de 1880 e que se mantiveram até inícios do século XX, quando a migração para as cidades tendeu a se estabilizar. Vale ressaltar que vadiagem na visão de muitos senhores significava justamente este deslocamento dos ex-cativos sem a deliberação dos mesmos, este cenário foi utilizado principalmente para convencer as autoridades da indenização pela perda da propriedade escrava. A esperança de que as mudanças fossem mais incisivas, que garantissem a sobrevivência digna e a percepção de que viver sem ter que se sujeitar era o acesso a terra (já adquirido em muitos casos antes do 13 de maio), comer carne fresca, permanecer ao lado de familiares, ter remuneração justa e tempo livre, enfim este era o sonho de cidadania pretendido pelos que a lei Áurea libertou.

REFERÊNCIA:
FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia, 1870-1910. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 2006.

Marcadores: ,