quarta-feira, 1 de abril de 2009

Resenha Historiográfica sobre a obra: As Elites de Cor numa cidade brasileira...

Thales de Azevedo é um dos maiores nomes no que se refere à antropologia no Brasil, entretanto, ele não era da área de Ciências Sociais originariamente. Ele se formou em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia e exerceu sua profissão por mais de 35 anos, atuando como clínico geral. Ao se aposentar, tornou-se autodidata nas Ciências Sociais, ocupou a cadeira de professor da Ufba e abriu um seminário permanente de estudos antropológicos que perdurou por alguns anos. Foi fundador da primeira Faculdade de Serviço Social, na atual Universidade Católica do Salvador (Ucsal). Ainda foi um dos fundadores da Associação Brasileira de Antropologia, a ABA, onde por vários anos foi conselheiro e chegando até presidir o conselho por algum tempo.

Na cidade de Salvador (conhecida também por Cidade da Bahia) no meado do século XX, as relações raciais eram mais ou menos estáveis, brancos e pretos conviviam no mesmo ambiente, coabitavam nos mesmos locais públicos: praças, jardins, bibliotecas, escolas, hospitais, meios de transportes e outros. Este panorama de equidade racial propunha que na capital baiana, assim como em todo o estado baiano e até mesmo na esfera nacional, não havia segregação pelo viés da raça. Esta situação era tão aceita como verdade que logo no período pós-guerra que a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) recém criada percebendo que o Brasil poderia servir de modelo a outras nações como, por exemplo, a África do Sul, que vivia sob o jugo do Apartheid e também aos Estados Unidos, que desde sempre viveu sob uma forte segregação racial.

Através de pesquisa realizada na cidade de Salvador no ano de 1951 Thales de Azevedo pretende indicar algumas características da ascensão social das pessoas de cor na capital soteropolitana e uma indicação de quais meios se processa essa mobilidade vertical. O autor utilizou como plano de pesquisa um inquérito sobre a participação das pessoas de cor, geralmente descendentes de africanos ou da miscigenação destes com portugueses, nos grupos sociais e profissionais de prestígio e, de modo geral, nos camadas superiores da estrutura da classe local, uma análise dos processos de mobilidade vertical daquelas pessoas e, o exame das opiniões e atitudes dos baianos, na relação brancos x pretos, em referência ao problema da aquisição de status e de prestígio por parte dos últimos.

Desta forma, Thales de Azevedo faz em 1951, um dos clássicos entre os estudos sobre relações raciais no Brasil. Originalmente publicado em 1953, na sede da Unesco, em francês com o título Les élites de couleur dans une ville brasiliene e em somente em 1955 ganhou uma edição em português, sendo reeditado em 1996 pela Ufba . O autor utilizou como fontes, entrevistas com pessoas ditas "de cor" e com um número limitado de pessoas ditas "brancas", utilizou também jornais e revistas da cidade. Além disso, recorreu ao método da observação direta de repartições públicas, academias, escolas, cerimônias religiosas, bailes em clube, desfiles militares e cíveis, festas em famílias, entre outros eventos, com o objetivo de analisar os processos de mobilidade do negro e do mestiço nos grupos sociais e profissionais da cidade. É importante destacar que o próprio autor se coloca como fonte, pois a partir de suas experiências vividas ao longo dos anos, ele se propõe também a relatar as coisas que presenciou.
O objetivo principal da obra é perceber os mecanismos adotados pelos não brancos para obterem ascensão social e os possíveis conflitos oriundos desta ascensão. Thales de Azevedo utilizou-se da obra de Donald Pierson acerca da estruturação sócio racial de Sa1vador, este trabalho aponta as características de como aconteceu a miscigenação do povo baiano, as relações que foram surgidas a partir do grande número de mestiços libertos alçando cargos públicos importantes, a situação dos escravos pretos alforriados, como também Salvador manteve-se praticamente intacta em relação à europeização que ocorreu no Brasil nos fins do século XIX e início do século XX e assim como Pierson, Thales também aponta para um equilíbrio na situação racial, afirmando que as diferenças na sociedade baiana, são a priori, pela situação econômica de cada grupo social.

Segue assim o pressuposto de que a sociedade baiana estava dividida em duas classes, a superior, composta por descendentes da antiga aristocracia, grandes comerciantes e intelectuais e a classe baixa, formada por pessoas de profissões braçais e manuais. Além das classes acima citadas, haveria um grupo intermediário formado por pequenos funcionários públicos e comerciantes, que a seu ver não poderiam ser chamados de classe média. Considerou a sociedade baiana "multirracial de classes", porque sua estratificação se baseava não apenas na cor como também, e talvez principalmente nas condições econômicas e relações familiares e pessoais entre os indivíduos.

O argumento que permeia a análise empreendida por Azevedo neste livro é a idéia da existência de uma relativa democracia racial em Salvador, fruto de um sistema escravista brando e humano, ao contrário do que teria ocorrido, por exemplo, nos Estados Unidos.

Seja na religião, no convívio com os estrangeiros, ou no processo de mestiçagem, os baianos de todas as cores viviam de forma relativamente harmoniosa, apresentando aos negros, apenas barreiras de caráter classista. A mestiçagem, principalmente, significou para o autor um exemplo claro de que a segregação existente entre as pessoas não era baseada na cor, mas nas condições socioeconômicas, aí incluído o nível educacional. A explicação dada por Thales de Azevedo para o processo de mestiçagem na Bahia está ligada idéia de uma suposta escravidão amena. Afirma o autor que "concorreram poderosamente para a aproximação e para as boas relações entre as raças na Bahia, como em todo o Brasil”, o tratamento de modo geral brando e humano que os proprietários dispensavam a seus escravos e a atuação do clero católico procurando desde o início de alguma forma salvaguardar a vida dos escravos.
Uma das formas de ascender à elite é através dos casamentos interrraciais, mas o autor conclui que, apesar do casamento interracial ser uma importante forma de ascensão social, era um comportamento que comportava grandes barreiras e preconceitos. Havia na sociedade baiana um forte preconceito contra o casamento entre indivíduos de cores extremamente opostas. A segunda parte do livro aborda os diversos canais de ascensão social existentes na sociedade baiana do período estudado. De acordo com Azevedo, o comércio não apresentava muitas possibilidades de ascensão para as "pessoas de cor", que na maioria das vezes limitavam-se à função de empregados. Já em setores como a política, serviço público e corporações militares (atividades cujo acesso às vezes dependia de relações pessoais) as possibilidades de ascensão eram maiores. Percebe-se nesta segunda parte do livro, que é por meio da educação, que muitos pretos conseguem chegar aos grupos de prestígio, mas essa boa educação também tem que vir acompanhada dos modos de se comportar dos “brancos”, àqueles pretos que ascendem economicamente e não aderem ao modo de vida das elites brancas, não conseguem se manter entre as elites.

Embora não tenha sido objetivo do autor revelar preconceito racial na cidade de Salvador e sim demonstrar os diversos mecanismos de ascensão social e o uso destes mecanismos pelas chamadas "pessoas de cor", Azevedo termina, através de sua pesquisa, detectando um forte preconceito. Apesar disso ele conclui ser apenas parcialmente verdadeira a idéia de que na Bahia existiria racismo, reafirmando que as discriminações eram brandas e misturadas, com antagonismos principalmente de classe. Thales de Azevedo estava buscando demonstrar a inexistência do racismo na Bahia, sem, contudo obter sucesso, já que a todo momento deixava entrever, em passagens do livro, referências a atitudes racistas. O racismo brasileiro teve formular uma solução própria para o problema do negro, cultivou-se então, o ideal de mestiçagem e de embranquecimento, enquanto projeto de formação de nacionalidade brasileira. Este novo ideal da nacionalidade apostava na possibilidade de “mobilidade ascensional dos mestiços na hierarquia social”.
  • AZEVEDO, Thales de. As elites de cor numa cidade brasileira: um estudo de ascenção social & classes sociais e grupos de prestigio. Salvador: EDUFBA/EGBA, 1996. 185 p


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