terça-feira, 21 de abril de 2009

Conceitos Filosóficos sobre a Vontade (Parte II - fim)



Na primeira postagem sobre os conceitos filosóficos sobre a vontade, eu me propus a especificar a definição de vontade comumente aceita e as reflexões de dois grandes filosófos, (Sto Agostinho da Idade Média e René Descartes da Idade Moderna) agora vos trago uma reflexão de outros dois grandes nomes da filosofia, Schopenhauer e Nietzche, feita por: Sandra Portella Montardo, aqui é apenas a conclusão feita pela autora. (www.bocc.uff.br/pag/montardo-sandra-schopenhauer-nietzsche.pdf)


Doutora pelo PPGCOM da PUCRS, Linha de Pesquisa Comunicação e Tecnologias do Imaginário (2004), fezEstágio de Doutorado na Paris V, Université René Descartes, Sorbonne (dezembro2003-junho2004), participou das sessões do GRETECH/CeaQ. Professora e pesquisadora do Curso de Comunicação Social do Centro Universitário Feevale , em Novo Hamburgo, RS,pesquisadora do Grupo Comunicação e Cultura, filiado à mesma instituição.


"Ao falar que a vontade de existir é impossível dado que a vontade já pressupõe ela própria a existência, Nietzsche repete um ponto explicitado à exaustão na obra de Schopenhauer. Para este último, a vontade é livre, autônoma e estando ela própria em condição de inerência com relação à vida. Por exemplo, quando Schopenhauer afirma que “onde houver vontade,haverá também (sic!)vida, mundo” (SCHOPENHAUER, 1951, p. 22). Ao que Nietzsche emenda: “Só onde há vida há vontade; não vontade devida, mas como a predico, vontade de domínio”. (NIETZSCHE, 1999, p.97).


No entanto, Schopenhauer também fala que o mundo é a representação da vontade, espelho desta, na medida que é onde o homem pode reconhecê-la. E isto porque a Vontade como essência, como coisa em si, é inconsciente em si mesma, necessitando da ação do homem para tornar-se consciente. Vale dizer que este, por sua vez, só tomará consciência da própria vontade a partir da concretização desta em atos. Ou seja, seu caráter empírico informará ao seu caráter inteligível a sua vontade após a sua concretização. Eis o mundo como representação.


Associada à idéia do mundo como representação, ou seja, como algo que já foge da esfera de realidade, ligado ao fato de que o homem recorre ao caráter inteligível para agir ou não de uma de terminada forma, compreende-se porque o homem cria fantasmas imaginários, resgatando-os do passado ou projetando-os para o futuro. Para Schopenhauer, só existe o tempo presente enquanto realidade e lugar de atualização da vontade latente no homem.


Para este autor,quando se perde a consciência de que o presente é o único tempo real, do qual nada jamais vai subtrair-lhe, o homem torna-se inibido pelo que a sua experiência informou ao seu intelecto, perdendo de foco a sua vontade enquanto potência para o hoje. Por outro lado, Schopenhauer diz que viver é sofrer dado que a vontade é insaciável, colocando-se sempre em como reação a uma falta. Nisso, a vida do homem oscila entre a satisfação de uma vontade e o fastio referente a esta.


Ainda com relação a esse ponto, Schopenhauer afirma que cada um dispõe do sofrimento que se faz necessário para a sua própria vida. Porém, a dose de sofrimento solicitada por um homem parece ser diretamente proporcional à sua incapacidade de reconhecê-la reportando-o para inexistências presas ao passado e ao futuro. Nesses casos, este homem não consegue nem admitir o que o faz viver, tampouco consegue enxergar no presente oportunidade para desviar-se dessa condição. Afinal, não se aprende a querer.


Na medida em que o homem pensa-se como exterior à sua vontade, dado que não a reconhece, pois não a age, decorre que este homem atribui tanto o seu sofrimento quanto a sua suspensão a fatores também externos. Donde, ídolos, deuses, fantasmas do passado, projeções para o futuro que o homem elege para que tenha a quem servir, na falta de coragem para ouvir e prover de existência os seus próprios fantasmas.


Pelo mesmo motivo, Nietzsche aconselha não o amor ao próximo, enquanto falta de amor a si mesmo, mas o amor ao mais afastado. E ele ainda acrescenta que este afastado refere-se ao possível indicado pela dedicação do homem, em termos de sua inteligência e da sua virtude ao que é terreno, no que culminaria um encontro consigo mesmos através da realização de sua vontade.


“Quando o poder se torna clemente e desce ao visível, a essa clemência chamo eu beleza”(NIETZSCHE, 1999, p.99), a partir do que pode-se associar esse visível que passa-se a chamar de beleza enquanto realização da vontade.


Com isso fica clara a posição do autor em propor que cada homem deve exigir mais do que a ninguém de si mesmo tal beleza, de modo que essa bondade seria a última vitória de cada um sobre si mesmo. Nota-se, no entanto, que Nietzsche diferencia esta bondade da dos que se consideram bons por servirem aos outros ao invés de servirem a si mesmos, sem darem-se conta, ao menos, de que estão satisfazendo a própria vontade de serem rebanhos ou vassalos do que quer que seja.


Quanto a estes, este pensador expõe que eles colocam a sua vida no rio do porvir, acreditando em algo longe e exterior a si próprios, submetendo-se a deuses e ao futuro de maneira passiva, onde a única vontade que se manifesta é a deserealizar pela projeção em algo externo e independentes de sua existência, ainda que quem pinta os contornos dessa inconsistência brumosa seja cada um deles.


“Não é o rio o vosso perigo e o fim do vosso bem e do vosso mal, sapientíssimos, Mas essa mesma vontade, a vontade do poder”(NIETZSCHE, 1999, p.71), esclarece mais tarde Nietzsche. Aqui, o pensador alemão introduz a questão da destruição de todo o bem e de todo o mal como força criadora resultante da vontade. Eis, assim, a condição para que o homem ultrapasse a si mesmo, dando forma à nação que daria a luz ao Super-homem. É a esse afastado possível e terreno que assume a consistência do afastado ao que Nietzsche refere-se, tratando-se de uma transcendência do homem pelo próprio homem.


Desse modo, transparece tanto na obra de Schopenhauer quanto na de Nietzsche questões que atrelam a vontade à questão da transcendência. No entanto, para Schopenhauer tal transcendência revela-se na medida em que a vontade converte-se em ação projetada em outro, como válvula de escape dos medos imaginários apresentados Pelo caráter inteligível a partir da experiência. Nietzsche aproxima-se desta noção ao falar do homem na condição e colocar sua vida num porvir que parece ser descolado da própria vontade deste homem, ainda que este porvir não poderia ser concebido sem que houvesse uma vontade, mesmo não reconhecida, para tanto.


Contudo, a questão de transcendência em Nietzsche não pára por aqui. Ele vai além ao propor que o homem deve realizar a sua vontade aqui na terra, na medida em que afirma que somente quando o homem enfastiar-se de sua sublimidade (o que ainda não é mas que pode vir-a-ser) principiaria a sua beleza. Nisso que envolve a destruição do que é dado para que haja a proposição do que pode vir-a-ser, Nietzsche enxerga a vontade de poder. Vale ressaltar que ligada a essa vontade de poder vem o peso que o homem que obedece a si mesmo carrega, de ser o juiz, a vítima e a testemunha do que há de mais alto e mais baixo em seus sonhos.


Superação de si a partir de si aqui na Terra. Amor ao afastado como condição de realização da vontade mais íntima. Vontade de poder. Parece ser isso que Nietzsche ouve da vida quando diz que ela lhe confiara um segredo: “eu sou o que deve ser superior a si mesmo”(NIETZSCHE, 1999,97)."




BIBLIOGRAFIA:

  • NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra São Paulo: Martin Claret, 1999.
  • SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e como representação. São Paulo: Edições e Publicações Brasil, 1951.

CRÉDITO DAS IMAGENS:
  • http://eutoatoa.wordpress.com/
  • http://gmsecaadegas.hi5.com/


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2 Comentários:

Blogger Grupo 2 da disciplina Iniciação Musical do curso de Pedagogia noturno da UNEB disse...

A Causa da Vontade

A nossa vida não passaria de uma série de caprichos, se a nossa vontade se determinasse por si mesma e sem motivos. Não temos vontade que não seja produzida por alguma reflexão ou por alguma paixão. Quando levanto a mão, é para fazer uma experiência com a minha liberdade ou por alguma outra razão. Quando me propõem um jogo de escolha entre par ou ímpar, durante o tempo em que as ideias de um e de outro se sucedem no meu espírito com rapidez, mescladas de esperança e temor, se escolho par, é porque a necessidade de fazer uma escolha se apresenta ao meu pensamento no momento em que par está aí presente. Proponha-se o exemplo que se quiser, demonstrarei a qualquer homem de boa-fé que não temos nenhuma vontade que não seja precedida por algum sentimento ou por algum arrazoado que a faz nascer. É verdade que a vontade tem também o poder de excitar as nossas ideias; mas é necessário que ela própria seja antes determinada por alguma causa.

A vontade não é nunca o primeiro princípio das nossas acções, ela é o seu último móbil; é o ponteiro que marca as horas num relógio e que o leva a dar as pancadas sonoras. O que esconde dos nossos sentidos o móbil das suas vontades é a fuga precipitada das nossas ideias ou a complicação dos sentimentos que nos agitam. O motivo que nos faz agir muitas vezes já desapareceu no instante em que agimos, e não mais lhe encontramos o rastro. Ora a verdade ora a opinião nos determinam, ora a paixão; e todos os filósofos, de acordo nesse ponto, remetem à experiência.
Mas, dizem os sábios, já que a reflexão é tão capaz de nos determinar quanto os sentimentos, oponhamos então a razão às paixões quando as paixões nos atacam. Eles não atinam que não podemos nem mesmo ter a vontade de chamar em nossa ajuda a razão quando a paixão nos aconselha e nos preocupa com o seu objecto. Para resistir à paixão, seria necessário pelo menos querer resistir-lhe. Mas a paixão fará nascer em vós o desejo de combater a paixão, na ausência da razão vencida e dissipada? O maior bem conhecido, dizem, determina necessariamente a nossa alma. Sim, se for sentido como tal e estiver presente no nosso espírito; mas se o sentimento desse pretenso bem estiver enfraquecido, ou se a lembrança das suas promessas dormitar no seio da memória, o sentimento actual e dominante vence sem dificuldade: entre duas potências rivais, a mais fraca é necessariamente vencida.

Luc de Clapiers Vauvenargues, in 'Discurso Sobre a Liberdade'

2 de maio de 2009 às 11:53  
Anonymous Raffa90 disse...

Muito Obrigado Every pela sua grandiosa colaboração...

... eu trouxe algumas reflexões sobre a vontade embasadas em quatro filósofos: Sto. Agostinho e Decartes no primeiro post e Schopenhauer e Nietzsche no segundo. A reflexão que trouxeste, só faz aumentar a reflexão acerca desse nosso sentimento: Vontade!

Destaco o seguinte trecho [...]"Mas a paixão fará nascer em vós o desejo de combater a paixão, na ausência da razão vencida e dissipada?" - Por experiência própria, acredito que a paixão não está atrelada unicamente à razão ou a experiência... a paixão provém dos dois, sendo o último mais forte.

Por isso combater as paixões é uma dura tarefa, as vezes irrealizáveis, pois nunca nos afastamos delas.

3 de maio de 2009 às 00:59  

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