terça-feira, 12 de maio de 2009

Um pouco sobre História Oral

HISTORIA geral da África. São Paulo: Ática; [Paris]: Unesco, 1982. nv ISBN (enc.) p. 181-218.
NARRADORES DE JAVÉ. Comédia. Brasil: 2003, 100 min. Distribuição: Lumière e Riofilme. Direção: Eliane Caffé.


O texto a tradição viva de Hampaté Bâ traz uma introdução do que seria compreender o universo da oralidade da história, ele traz referências do mundo moderno onde a escrita é precedente e considerada científica em relação à história oral. Segundo o autor, um dos principais argumentos dos estudiosos é que não se pode saber se oralidade possui a mesma autenticidade do que fato escrito,
mas deve-se notar que todos os dois provêm da mente humana e, portanto, não são inteiramente imparciais.

Mostrando um pouco do que é a tradição oral nas tribos africanas das savanas do sul do Saara, Hampaté ilustra como é difícil para esses povos entender sua história, sem perpassar pela oralidade, que não é um conhecimento parcial, dividido à regra do sistema cartesiano, é antes um conhecimento de tudo, talvez um conhecimento total. Analisando esta forma de transmissão do conhecimento, nota-se que os tradicionalistas africanos (termo utilizado no texto para designar detentor do conhecimento transmitido pela tradição oral), parecem com aqueles primeiros físicos gregos, pelo menos no que se remete ao conhecimento geral, pois estes ao estudarem a phisis abarcaram conhecimentos gerais como da astronomia, da meteorologia, da cosmogonia, do corpo humano dentre tantos outros.

É importante ressaltar o caráter divino que a palavra possui nessas tribos, a palavra é posta como algo transcendente, “ela á ao mesmo tempo divina no sentido descendente e sagrada no sentido ascendente”. É por isso que determinados valores que nortearam as civilizações antigas - ética, honra, moral, virtude - e que hoje estão desgastadas na atual civilização capitalista ocidental ainda são encontradas nestas sociedades orais, pois a palavra é utilizada em diversos ambientes e a escrita ainda não alcançou a “sacralidade” das sociedades ocidentais contemporâneas.

O grande perigo que essas tribos correm é que durante a neocolonização da África em geral, os tradicionalistas foram postos de lado, para que o povo viesse a perder sua memória, suas conquistas antigas e também muitas tribos rivais foram postas no mesmo território. Outro dado importante colocado por Hampaté Bâ é que pouco do que esses tradicionalistas têm em sua memória como testemunhos e ensinamentos têm-se sido registrado, mas porque essa preocupação se a marca dessas sociedades é tradição oral? Talvez seja por que os mais novos não se interessem mais em possivelmente tornar-se um “guardião dos segredos da Gênese e das ciências da vida”, muitos quando podem vão estudar na Europa, e os outros tantos que ficam procuram construir uma vida nas cidades em busca de melhores condições de vida.

A autenticidade da transmissão talvez seja um aspecto primordial para aqueles que querem conhecer as características sociais destas tribos das savanas africanas. Segundo o autor, os tradicionalistas Doma, que podem ser mestres iniciados (e iniciadores) de um ramo tradicional específico (ferreiro, caçador, tecelão, pescador, etc.) ou possuir o conhecimento total da tradição em todos os seus aspectos, não podem jamais mentir, porque para essas sociedades a mentira corrompe não só os atos rituais como próprio indivíduo, os Doma quando mentem por algum motivo, eles mesmos renunciam seu cargo em público, para que a harmonia e o equilíbrio das forças possa se restabelecer e isso também funciona como uma purificação da profanação da palavra que ele cometeu.

Mas nem todos os que contam histórias têm o dever se dizer somente a verdade, os griots, por exemplo, por tradição têm o direito de rebuscar os fatos. A educação não ensinada sistematicamente, mas de acordo as experiências vividas e as circunstâncias, ensinam-se as crianças desde muito cedo, a educação é primeiramente feita pelos pais, quando jovem é levados aos mestres iniciados. A História na educação é inerente ao conhecimento geral das coisas, existe a “História das Terras e das Águas (geografia), a História dos vegetais (botânica e farmacopéia), a História dos ‘Filhos do seio da Terra’ (mineralogia, metais), a História dos astros (astronomia, astrologia)” e assim por diante.

Estes aspectos da oralidade são vistos também no filme Narradores de Javé de Eliane Caffé que traz entre história, memória e verdade – todas ligadas à cultura oral. Esses três conceitos orientam os discursos dos personagens. O filme é narrado por um antigo morador de Javé, que diverte um rapaz que perdeu a balsa contando a história de quando Javé foi ameaçada de ser sucumbida pela águas de uma hidrelétrica e o povo tenta resgatar a memória do povoado de maneira cientifica afim de que Javé se torne um patrimônio histórico. Cada morador conta a história

da fundação de Javé de uma forma – a verdadeira fundação de Javé, o papel e a forma da morte de Indalécio, mas outros moradores colocam aqueles que foram excluídos da história oficial na fundação de Javé, por exemplo, na versão relatada por uma mulher do povoado, a grande heroína entre os fundadores de Javé é Maria Dina. Na versão de um morador negro, o herói principal também é negro e chama-se Indalêo.

Num primeiro momento, parece que o filme prova a tese de que a história oral é inconsistente para revelar com destreza os fatos históricos. Como ela é baseada na memória – e esta, como todos sabem, é falível –, decorre que a história dela apreendida também pode ser falível, portanto, passível de discussão. Mas, ao mesmo tempo, e aqui reside toda a riqueza dessa pequena obra-prima, Biá (protagonista do filme) vai montando em suas reflexões o desmonte do discurso histórico escrito. Se, para as autoridades (e a sociedade em geral), um documento escrito vale mais que um relato oral, demonstrando aquilo que Hampaté Bâ dizia em seu texto, que tanto as oralidades quanto a escrita são oriundas da mente do cérebro humano.

Essa idéia da “história da história”, essa idéia metalingüística, está muito bem clara na montagem do filme com a presença de três tempos distintos – o presente, tempo de narração do filme (não se pode esquecer que o filme é narrado por um antigo morador e que não esteve presente, por ser comerciante, no momento em que Biá recolhia os relatos); o passado – tempo de narração dos relatos de moradores a Biá e da história do afundamento de Javé; e o tempo mitificado, que é o tempo da fábula, da imaginação e da memória dos moradores.

Assim como Antônio Biá no filme Narradores de Javé é um contador de histórias sem compromisso com a veracidade dos fatos, são os animadores públicos
ou griots (dieli em bambara), que podemos lê na primeira referência eles têm um status social especial, manifestam-se a vontade, não tem obrigação de serem discretos, ou seja, é um personagem típico destas sociedades orais africanas, que transmitem as histórias, são mediadores das conversas entre as grandes famílias.

O texto traz em sua parte final a influência islâmica nestas tribos e as características da memória africana, onde o islã não apagou a memória destas tribos, mas aconteceu que toda a história destas tribos passou a ser interpretadas à luz do Corão e a memória dos africanos, por não ter na escrita seu principal suporte memorial, é de uma excepcionalidade imensa, segundo o texto, um tradicionalista não consegue resumir um fato, pois para eles só há sentido da maneira como está em sua mente, todo detalhe é importante.

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