sábado, 22 de agosto de 2009

A CRISE DO SÉCULO XII, OS MOVIMENTOS RELIGIOSOS LAICOS E HERESIAS

Passado o temor do milenarismo, a população medieval começou a acreditar que Cristo havia possibilitado uma nova chance para que o seu rebanho se redimisse dos pecados, posto este novo pensamento na sociedade do medievo, buscou-se um retorno à igreja primitiva, isto é, à igreja dos primeiros cristãos. A vida de Cristo e dos seus apóstolos deveria ser o exemplo e a igreja organizando e conduzindo o mundo à salvação. São estas mudanças no ser e fazer igreja, iniciada já em meados do século XI, e que atingiu seu ápice no século XII que autores como Brenda Bolton irão chamar de reforma do século XII.

O maior interesse pela religiosidade e espiritualidade dos laicos deve ser entendido a luz das concepções políticas sustentadas pelo papado neste período. Já que o poder espiritual era visto como superior, cabia a Igreja o zelo e a assistência aos fiéis. A essência destas reformas incidiu sobre aquilo que se considerava errado na igreja e, sobretudo, na posição do papa para o mundo, pois muitos consideravam a ação papal ineficaz. No apogeu da crise religiosa, reinava a simonia, ou seja, o abuso do tráfico de dignidades eclesiásticas, e os leigos exerciam enorme influência na nomeação de dignatários da igreja. Desta forma, pode-se aferir que no século XII, duas posições se contrapunham e se afastavam cada vez mais, de um lado, um pensamento reformista calcado na vida apostólica e outro, na que transformou a igreja em uma imensa maquinaria burocrático-administrativa, sendo na maioria das vezes administrados por leigos administradores ao invés de sacerdotes.

Essas transformações que começar a se operar tanto na vida espiritual como na vida temporal, exigiam cada vez mais, um desenvolvimento espiritual dos cristãos individualmente. Essa alteração de uma consciência coletiva, que existia na cristandade até o ano 1000 e que gradativamente foi mudando para um aumento na consciência individual, tanto é que no IV Concílio de Latrão em 1215, foi instituído sacramento da Confissão e este deveria ser feito apenas entre o fiel e o sacerdote, diferente da prática comum de os fiéis se confessarem entre si.




Paralelo e intimamente ligado a isso estava também: o aumento da população, famílias cada vez maiores, crescimento das cidades, número crescente de ofícios especializados (artesãos, advogados, médicos, mercadores, etc.) e uma alteração da aceitação por consenso para um reconhecimento de uma obediência à autoridade.

Para reagir à crise, diversos movimentos ocorreram a fim de salvar a imagem da igreja perante os fiéis, como já dito anteriormente, o primeiro passo foi um retorno à vida apostólica, havia uma consciência nova do que significava ser-se cristão, do que eram as crenças cristãs e do que era o modo de vida cristão. Esse retorno ao modo de vida das primeiras comunidades cristãs era bastante diferente modelo monástico, que era considerado o mais perfeito modo de se chegar à salvação, muito diferente da maneira como começara, os mosteiros no século XII, e os mais influentes foram Cluny e Cistercien, tendo em vista que a regra ora et labora escrita por São Bento já não era seguida a risca, os mosteiros ostentavam imensas posses de terra e viviam em uma vida de luxo, poder e afastamento da população pobre.

Com a vida apostólica, os pobres começaram a se verem representados dentro da igreja, o homem voltava a ganhar importância e ajudaria a espalhar a palavra de Deus como nos tempos dos apóstolos, neste contexto, verificou-se o aumento da religiosidade laica. O evangelho era principal fundamentação da prática de fé, seguiu-se, portanto um declínio do significado do clero perante os fiéis acompanhado por uma aceitação crescente dos leigos às novas formas de ser e fazer-se cristão.



A partir de todas essas nuances supracitadas que se desenrolará um dos maiores conflitos medievais, a igreja versus os movimentos heréticos. Segundo o bispo Roberto Grosseteste do século XIII citado no livro Sexo, Desvio e Danação de Jeffrey Richards heresia é: “uma opinião escolhida pela percepção humana, contrária à sagrada escritura, publicamente admitida e obstinadamente defendida”. Essa afirmação mostra qual a preocupação da igreja, que os fiéis se desviassem da fé por uma livre interpretação das Escrituras e a defendesse levando outras pessoas a também se desviarem. E no contexto da vida apostólica em contraposição as clero e também ao modelo monástico, a heresia tornou-se perigo permanente a ponto da igreja permitir o modelo de vida apostólico, mas proibir a criação de novas ordens religiosas e nem a pregação daqueles que não tinham autoridade eclesiástica para tal fim. A igreja desta maneira tentou controlar o avolumar das críticas feitas a o clero, principalmente a respeito da simonia, da corrupção e da riqueza.

Os cátaros se configuraram na principal heresia desse período, um grupo de pessoas que começaram pregar contra a riqueza e corrupção da igreja, eles se espalharam pela França e Países Baixos. O nome cátaros provém do termo grego katharos e significa: puros. Eles pregavam retorno à igreja primitiva, a base de seu vocabulário era cristão, aceitavam que o Novo Testamento tinha inspiração divina, até aí estavam em conformidade com pensamento católico vigente na época, no entanto tinham um fundamentação de fé maniqueísta, heresia da alta idade que ocorreu principalmente no oriente medieval, mas influenciou muitas pessoas no ocidente medieval.


O maniqueísmo cria em dois mundos separados, um mundo criado pelo bem, Deus, e um mundo criado pelo mal, o Diabo. Estas duas forças estavam, segundo eles, em constante luta para dominar o mundo. O corpo era criação do Diabo e a alma criação de Deus, essa visão dualista era comum na mente das pessoas durante o medievo e os cátaros conseguiram conquistar muitos adeptos. Negavam os sacramentos católicos, mantendo apenas o batismo e criando o consolamentum, parecido com o sacramento da extrema unção da Igreja. Para eles, os sacerdotes deveriam ser pessoas puras e não se misturarem com o mundo, por isso proibiam seus adeptos de freqüentar missas em que tivessem padres acusados de corrupção e pecados na igreja.

A Igreja os reprimiu violentamente, mas foram difíceis de serem banidos, por pregarem e viverem uma vida ascética e austera e tinham bastante apoio da população. Viviam basicamente de doações, mas com o passar do tempo e com o aumento das doações, começaram a já não terem mais uma vida de tanta pobreza assim. Uma grande concentração de cátaros vivia na cidade de Albi, região do Languedoc na França e por isso muitas vezes também são chamados de albigenses. Com prestígio e poder, onde se instalaram os cátaros influenciaram boa parte da população, a Igreja enviou cruzadas especiais para exterminar a heresia, mas sem sucesso. No IV Concílio de Latrão, a Igreja condenou severamente os cátaros, condenando-os a excomunhão e que todos eles fossem punidos.


Dentre as maneira que a Igreja reagiu a essas mudanças nas concepções de ser e fazer cristãos foi a liturgia e a literatura. Segundo Brenda Bolton, liturgia é o meio em que a sociedade cristã funciona quando se reúne para propagar sua fé e para prestar culto ao seu Deus, e a atitude de um cristão relativamente à liturgia é determinada pela visão que tem de Cristo e da que Cristo tem dele. Essa renovação na liturgia durante o século XII, proporcionou igualmente às outras reformas assinaladas, uma maior devoção individual e o desenvolvimento espiritual individual com orações mais populares e padrões menos restritivos de más ações e de penitências no confessionário. Com Inocêncio III, talvez o maior papa reformador desse período, a liturgia foi vista como matéria para instrução alegórica e não como algo simbólico dotado de poder de representar um mistério só para os iniciados, o que mudou posteriormente com a chamada Contra Reforma Católica no Concílio de Trento.

Sob todos esses aspectos, foi então que emergiram dissidências no pensamento religioso de então. Jeffrey Richards no seu livro já mencionado indica apenas quatro casos de heresia entre 970 e 1018, mas depois de passado o furor do milenarismo, a quantidade de movimentos heréticos aumentou em grande número. A pregação livre por populares e itinerantes foi incentivada pelo papa Gregório VII para se opor a apatia do clero local e combater os pecados que pretendiam erradicar o corpo da Igreja. Norberto de Xanten e Roberto de Arbrissel eram bastante ortodoxos, e levaram essa propaganda da Igreja a cabo, difundindo o pensamento católico entre os pagãos e também entre os que tinham se afastado do corpo dogmático da Igreja, seus objetivos eram: a promoção positiva das opiniões e políticas da Igreja.


Se por um lado essa tática da Igreja dera certo, por outro surgiram pregadores que começaram a contestar principalmente a riqueza e a corrupção clerical. Neste caso, é forçoso citar o monge Henrique de Lausanne que começou suas pregações em 1116 e o padre Pedro de Bruys que iniciou sua oposição em 1120, estes dois clérigos são considerados os primeiros heresiarcas desta época. O monge Henrique morreu na prisão enquanto o padre Pedro morreu na fogueira.

Suas principais contestações eram a rejeição da instituição Igreja, pois a viam como rica e corrupta, ou seja, totalmente oposto à visão de vida apostólica que pregavam; negavam a necessidade de mediação entre Deus e os homens indo, portanto, de encontro a hierarquia clerical, propunham a não construção de edifícios especiais para Igreja e rejeitavam a maior parte dos sacramentos, mantendo apenas o batismo. O monge Henrique de Lausanne ainda acreditava que os fiéis podiam escutar confissões um dos outros, o casamento se restringia apenas ao consentimento mútuo do casal e que qualquer um que fosse julgado merecedor podia batizar. As práticas defendidas por eles duraram pouco tempo, pois foram logo combatidas, mesmo muito de sues propósitos estarem sob uma interpretação do Novo Testamento. Mas as idéias que eles veicularam produziram frutos posteriores, como foi o caso dos valdenses, humiliati, pseudo-apóstolos e beguinas e beguinas. Todos estes grupos surgidos após os primeiros heresiarcas e que a base de suas práticas eram quase as mesmas.

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2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Mto bom o texto, estou estudando historia e hoje tenho uma discussao sobre educação medieval, e vou usar algumas partes dele na minha fala.

28 de agosto de 2009 às 17:24  
Blogger Leida Barros disse...

Muito bom texto,legal.

8 de outubro de 2009 às 17:37  

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