sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Anotações sobre estratificação social na Bahia... (séc. XIX) [1]

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--> A composição dos estratos sociais da população baiana no século XIX era bastante diversificada, mas antes é necessário que se tenha em mente que, há diferenças consideráveis entre a estratificação ocorrida em Salvador e Recôncavo e a ocorrida no Alto Sertão da Bahia. Vou deter a minha atenção às hierarquias sociais da porção mais litorânea da Bahia sem, contudo, deixar de me ater às características do Alto Sertão baiano.


Escravos de ganho


Salvador se desenvolveu consideravelmente na primeira fase da colonização, por ser a capital da colônia: sede administrativa, econômica e eclesiástica; mas, no entanto a Metrópole portuguesa não dispunha de muitos braços para colonizar o vasto território descoberto, principalmente no que se refere à questão do trabalho, os portugueses que para cá vinham não aceitavam dispor de sua força de trabalho em terras que não eram suas, o que levou Portugal procurar alternativas a este déficit de mão-de-obra. Como a tentativa de escravizar o indígena que aqui vivia fracassou por diversos fatores, o tráfico de escravos africanos foi a solução, não pela mão-de-obra, mas também pelo próprio comercio.

Esta característica foi o que levou a crer que a estratificação estava regimentada pela cor da pele e no estatuto legal dos pertencentes a comunidade, o que Matoso (1992) definiu como (...) “a mais pobre das visões, a mais imprecisa das descrições das descrições de uma sociedade”. Segundo ela, isso porque desconsidera toda mobilidade ocorrida no Brasil desde os primórdios da colonização à fase de industrialização moderna e também por não levar em conta a vastidão do território brasileiro e suas peculiaridades regionais.






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-->Cotidiano em SSA séc. XIX



Autores da historiografia brasileira tradicional, como Caio Prado Jr. e Fernando de Azevedo fizeram suas análises das hierarquias sociais que pode inferir que utilizaram principalmente da ordem institucional, que separava por estatuto a população em livres e escravos. É certo que na época em que esses autores escreveram, não havia a quantidade de documentos empíricos hoje disponíveis a historiadores e cientistas sociais, o que é revelado nos novos trabalhos sobre a estratificação social baiana em geral, mas ainda assim a divulgação de trabalhos sobre o Alto Sertão é menos numerosa que os divulgados sobre Salvador e recôncavo.

Para penetrar no âmago da constituição destas sociedades, faz-se necessário que se atente ao cotidiano de cada grupo, vislumbrando seus aspectos econômicos e maneiras de agir e pensar, exemplo disso é a postura que a elite baiana tinha de si mesma, branca em contraponto a negros e mestiços ou, por exemplo, à questão dos “coronéis” do Alto Sertão que acumulavam as funções de fazendeiro, minerador, comerciante, tropeiro, guerreiro e que levou ainda a exercer articulações políticas e imposições sociais.
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Cotidiano em SSA séc. XIX


Um dos principais fatores que diferenciou a colonização lusitana à colonização castelhana foi que enquanto esta teve de se sobrepor a já uma estrutura social preexistente, esta se caracterizou por uma capacidade de assimilação e certa mobilidade social, haja vista que aqui não existiam estruturas sociais bem definidas. A questão da cor excepcionalmente, não era um critério presente em documentos e inventários post mortem, o que fez da Bahia do setecentos aos oitocentos uma sociedade tolerante.

No século XIX essa situação é consideravelmente modificada, começou-se a recusar a admissão de escravos para trabalhos assalariados. Com a abolição da escravatura, essa situação se agravou ainda mais, com a imigração de brancos europeus, pouco havia espaço para os ex-escravos e alforriados. Thales de Azevedo, um dos mais proeminentes cientistas sociais baianos, em um de seus trabalhos: As elites de cor numa cidade da Bahia (1955) pontua que há na cidade da Bahia na década de 1950 famílias tradicionais, que descendiam de grandes proprietários rurais, a classe média, composta por comerciantes, proprietários, funcionários, profissionais liberais, técnicos e empregados do comércio, e os pobres, que viviam de trabalho manual.


--> -->Vista geral da cidade

Esta distinção em três categorias empreendidas por Thales de Azevedo para caracterizar a sociedade de Salvador na década de 50 do século XX tem suas origens ainda na constituição do povo português antes de se lançar além-mar. Os portugueses se distinguiam basicamente em nobreza, clero e povo. Essa divisão, todavia não era rígida, havia na sociedade de Portugal a possibilidade de comprar títulos de nobreza, o que levava que negociantes e letrados passarem à nobreza, assim como outros exemplos. O povo português era constituído por aqueles que viviam como senhor ou patrão, aqueles que tinham um ofício pelo qual ganhavam a vida ou comerciavam para si mesmo ou para terceiros.

Essa análise da sociedade portuguesa ainda no século XV permite perceber que a divisão em três categorias era puramente simbólica, letrados e negociantes podiam se tornar nobres também, tornando a sociedade lusitana com possibilidades de ascensão. Se analisarmos a sociedade baiana, é possível perceber que havia uma distinção previamente parecida com aquela existente em Portugal, mas que o que distinguia uma classe da outra não era necessariamente a origem, porém a cor, primeira característica na estratificação.

Essa característica pode ser conferida quando a população mestiça aumentou e configurou-se como mão-de-obra capaz de praticar certos ofícios técnicos até então realizados por brancos, daí os brancos que para cá vinham ou até mesmo os que aqui residiam se recusavam a realizar o mesmo trabalho que um mulato, eles garantiam para si a função de comando, assim conseguiam enriquecer e se juntar aos brancos proprietários rurais ou comerciantes e já se consideravam da elite. Não obstante, essa nobreza de terra, título outorgado dado a por essa própria elite, não conseguia mais formar uma aristocracia no sentido literal do termo. O principal expoente dessa aristocracia era o senhor de engenho, que mesmo perdendo suas atribuições mais dignas de fidalguia – comando militar e poder político – em fins do século XVIII continuava sendo o símbolo do poder e riqueza entre os seus.


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-->Orla do Porto da Barra

A outra ponta da hierarquia social baiana era o escravo, sem personalidade jurídica, muitas vezes era libertado quando já não tinham capacidade de produzir ou de reproduzir, também não tinham condição material suficiente para ascenderem socialmente, apesar disto, a conquista da liberdade significava deixar de ser coisa para pessoa, fazer parte de um corpo social.

A partir destes dois expoentes aparentemente bastante dicotômicos, ao contrario do que se possa imaginar, não havia isolamentos dos dois grupos, existiu uma forte assimilação mútua, uma troca contínua e que contribuiu a criação de uma identidade única.



→ MATTOSO, Kátia M. de Q. Hierarquias sociais. In: _____. Bahia, século XIX: uma província no Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. p. 579-601.

→ NEVES, E. F. A formação da sociedade alto-sertaneja. In: ____. Estrutura fundiária e dinâmica mercantil: Alto Sertão da Bahia, século XVIII e XIX. Salvador. EDUFBA; UEFS, 2005. p. 221-247.
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