terça-feira, 16 de junho de 2009

Análise do texto: Um clássico conhecido, demasiado conhecido (DESCARTES)



"INEXISTE NO MUNDO coisa mais bem distribuída que o bom senso,visto que cada indivíduo acredita ser tão bem provido dele que mesmo os mais difíceis de satisfazer em qualquer outro aspecto não costumam desejar possuí-lo mais do que já possuem. E é improvável que todos se enganem a esse respeito;mas isso é antes uma prova de que o poder de julgar de forma correta e discernir entre o verdadeiro e o falso, que é justamente o que é denominado bom senso ourazão, é igual em todos os homens; e, assim sendo, de que a diversidade de nossas opiniões não se origina do fato de serem alguns mais racionais que outros, mas apenas de dirigirmos nossos pensamentos por caminhos diferentes enão considerarmos as mesmas coisas. Pois é insuficiente ter o espírito bom, o mais importante é aplicá-lo bem. As maiores almas são capazes dos maiores vícios, como também das maiores virtudes, e os que só andam muito devagar podem avançar bem mais, se continuarem sempre pelo caminho reto, do que aqueles que correm e dele se afastam. Quanto a mim, nunca supus que meu espírito fosse em nada mais perfeito do que os dos outros; com freqüência desejei ter o pensamento tão rápido, ou a imaginação tão clara e diferente, ou a memória tão abrangente ou tão pronta,quanto alguns outros. E desconheço quaisquer outras qualidades, afora as que servem para o aperfeiçoamento do espírito; pois, quanto à razão ou ao senso,posto que é a única coisa que nos torna homens e nos diferencia dos animais, acredito que existe totalmente em cada um, acompanhando nisso a opinião geral dos filósofos, que afirmam não existir mais nem menos senão entre os acidentes, e não entre as formas ou naturezas dos indivíduos de uma mesma espécie."

René Descartes (Início do Discurso do Método)


O referido texto começa com o argumento de que "o bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo", ora, Descartes aplica o termo bom senso se referindo à razão. Esta primeira sentença virá a validar a tese principal do texto, como se pode notar a seguir.


Descartes afirma que o bom senso ou razão, estando igualmente distribuído, ninguém deseja além do que tem. Sendo assim, todos possuem o poder de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do falso igualmente distribuído e que a diversidade de opiniões não decorre de uns serem mais dotados de razão do que outros, mas sim por conduzir os pensamentos por diversas vias, ou seja, mesmo todos possuindo igualmente a capacidade de bem julgar ou todos tendo bom senso ou razão, aplica-se métodos diferentes no julgamento das coisas.


É com as afirmações supracitadas que Descartes vai apresentar a seguinte tese: "Não basta ter o espírito bom, mas o principal é aplicá-lo bem". Vale lembrar que Descartes aplica o racionalismo aqui diferentemente de Sócrates, pois para este, quando se chega ao logos (razão), instantaneamente o homem torna-se virtuoso e Descartes vai logo refutar essa idéia socrática dizendo que "as maiores almas são capazes dos maiores vícios".


No segundo parágrafo, o filósofo se apresenta como um homem comum aos demais e deseja possuir até algumas qualidade que para ele serviriam à perfeição do espírito, qualidades que são: pensamento pronto, imaginação nítida e distinta (referindo-se aos sentidos), memória ampla e a prontidão. Nota-se que em nenhum momento ele põe a razão como necessidade para a perfeição do espírito, pois esta é invariável e é a única coisa que difere homens de animais.


Por fim, ele aplica um conceito aristotélico, que é o dos acidentes, isto é, o homem se diferencia uns dos outros pelos acidentes (qualidades) e não pela natureza (essência), visto que a essência humana para Descartes é a razão e esta está inteira em cada um.


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