Anotações sobre a escravidão no Brasil Império...[2]
Sobre
a resistência dos africanos a escravidão no Brasil, podemos identificar as
insurreições e lutas, causando sempre muito desconforto e medo por parte das
elites econômicas, Marcus Carvalho no artigo Os negros armados pelos brancos e
suas independências no nordeste (1817-1848) investigou a formação das lideranças populares na região
pernambucana e percebeu que alguns indivíduos da gente pobre, parda e negra, ao
atuar com regularidade nas tropas das diferentes forças políticas que se
confrontavam militarmente naqueles tempos, passavam por um processo de
politização que fugia ao controle dos grupos dominantes. Para manter a ordem,
as elites armaram os homens pobres; esses, no entanto, entenderam que seus
interesses não estavam contemplados naqueles confrontos e "às vezes, eram
os desertores, os ex-milicianos a ameaça maior à ordem que eles (como soldados)
deveriam ajudar a instituir".
O que ocorreu é que
foram formados bandos de ex-milicianos, que na maior parte das vezes possuíam
um líder, que segundo o autor era dotado de um carisma especial, assim os
liderados agiam conforme sua vontade, mas não por imposição, mas também por
vontade própria, pois acreditavam no seu líder e dessa politização ocorrida no
momento em que a gente pobre, pardos, negros, mestiços se enfileiravam nos corpos
das tropas em alguns momentos, segundo o autor, pode-se admitir que a plebe
tornava-se soberana, assim ao armar os pobres para manter a ordem, como
eventualmente estes soldados viravam filósofos, o agente da ordem poderia
passar a rebelde.
Outra característica que
importante sobre a escravidão oitocentista é questão das festas, João Reis
observa que em Salvador, após a rebelião dos malês, que foi deflagrada
coincidentemente com o momento de festa do Bonfim, o controle sobre estas
aumentou, “o controle sobre onde, quando, como trabalhar se complementava com a
definição de onde, quando, como e quanto não trabalhar”. O autor ressalta que a
festa era a principal atividade dos escravos quando estes não estavam
trabalhando, assim se tornou um componente importante para a resistência à
escravidão. Havia na verdade duas posições políticas distintas acerca das
festas na Bahia, uma de repressão e controle, que temia que as festas, batuques
e danças pudesse subverter a ordem européia que fora empenhada pelo já referido
sexto Conde da Ponte e outra realizada pelo seu sucessor o Conde dos Arcos, que
achava que os escravos sofriam além da conta, tinham parca alimentação e eram
demasiadamente castigados e se tivesse seu momento de lazer reprimido poderiam
realizar uma rebelião escrava diante de tanto maus tratos.
Fica claro que as festas
negras incomodavam e muito os membros da elite, inclusive a imprensa também, o
jornal O Correio, levanta João Reis, trazia em suas notícias acerca dos
batuques na cidade de Salvador acentuando quase sempre “o exclusivismo africano
e o caráter potencialmente revolucionário dos atabaques”. Inclusive tais
denúncias, posições políticas, disputas pelo espaço lúdico entre negros e
brancos atravessaram décadas dentro do Império, que nos momentos de intensa
repressão houve posturas que proibiam a reunião de negros nas ruas, e que
também não poderiam circular sem a permissão do senhor durante a noite,
suscitou também debates na Assembléia Provincial, onde fora discutido em que
lugar poderia haver ou não tais festas, longas discussões se a polícia poderia
reprimir tais batuques dentro das casas, definição do que seja público ou
privado.
Discussão que Maria
Cristina Wissembach aborda nos seu texto sobre as dimensões de uma privacidade
possível na passagem da escravidão à liberdade, a autora expõe argumentos de
que os libertos após o 13 de maio pouco tempo passavam em suas casas devido a
experiência vivida durante o tempo da escravidão, onde maior parte do tempo
estavam trabalhando, o lugar de moradia na maioria das vezes sempre foi
coletivo, o caso mais exemplar, a senzala. Assim nos primeiros anos após a
abolição, por diversos fatores, o local de maior convívio entre os negros foram
as ruas, um dos motivos mais citados pela autora é questão da insalubridade das
casas, a definição de bairros periféricos e no momento da abolição, a maioria
dos escravos deixaram seus senhores, fazendas e engenhos para irem viver nas
cidades, o que causou um inchaço demográfico nas principais cidades do país:
Rio de Janeiro, São Paulo, São Luís, Recife e Salvador; e no caso da Bahia
ainda podemos citar Cachoeira, Santo Amaro e Feira de Santana, deste modo,
cidade que já não tinham crescimento planejado, que já vinham em processo de
crescimento desordenado, posto que a maioria dos alforriados acabavam indo
morar nas cidades mais próximas, no momento do fim da escravidão a maior parte
dos ex-cativos se aglomeraram nos centros urbanos.
Essa mobilidade para as
cidades de um modo geral ocorreu também pelo fato de que ao serem libertos, os
escravos em sua maioria acreditavam que enfim teriam acesso ao que sempre lhes
fora negado, a posse da terra, contudo não foi isso que aconteceu e relegados a
viverem a margem da sociedade rural e muitas vezes não querendo viver na
fazenda onde tinha sido escravo iam em direção onde boa parte da produção das
fazendas se dirigia, outro fato importante é a questão da família, muitos
ex-escravos saíam em busca de seus familiares a fim de reconstituírem suas
famílias, aspecto também trabalhado por Walter Fraga que através da análise da
trajetória de escravos em Salvador e parte do Recôncavo baiano antes e após
abolição, demonstra que estes em sua maioria migraram para lugares onde
possuíam familiares ou ainda lugares onde poderiam viver longe das lembranças
da escravidão.
Partindo disso,
Wissembach ao falar das péssimas condições de moradia nas cidades, ela mostra
que a vida coletiva após o 13 de maio sempre esteve presente na vida da maioria
dos ex-cativos, pois além de passarem a maior parte do tempo nas ruas
trabalhando, ou como vadios, nos momentos que estavam em seus ambientes
particulares, dividiam quintais, tanques para lavar roupa, quando não iam lavar
nos rios, etc. Outro elemento abordado por Walter Fraga, é que encontramos
muitos ex-cativos nas greves operárias do início da República, ou seja, as
experiências e o cotidiano da senzala não sumiram com a Abolição como às vezes
a historiografia parece demonstrar, os trabalhadores livres do início da
República são oriundos em sua maioria das senzalas da escravidão do fim do
século XIX, que vale ressaltar, época em que a campanha abolicionista ganhou
mais vigor e adeptos, e que nas fábricas continuaram lutaram por melhores
condições de trabalho, moradia e lutando pelo acesso a uma vida digna que a lei
Áurea pareceu ser a possibilidade concreta disso, mas logo muitos perceberam
que a cidadania almejada ainda estava longe de ser conquistada.
Assim, estes são alguns
elementos que perpassaram a escravidão no Brasil oitocentista, ainda há muitas
lacunas a preencher e estas observações são apenas um grão de areia na
imensidão de dunas que é a seara do campo da escravidão no Brasil, cheia de
conflitos, releituras por parte de negros e brancos, situações particulares e
específicas que ainda hão de ser elucidadas.
· CARVALHO, Marcus J.M. Os negros
armados pelos brancos e suas independências no Nordeste (1817-1848) In: JANCSÓ,
István. Independência: história e historiografia. São Paulo:
Hucitec: FAPESP, 2005.
· FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade:
histórias de escravos e libertos na Bahia, 1870-1910. Campinas, SP: Ed.
UNICAMP, 2006.
REIS, João José Reis. Tambores e temores: a
festa negra na Bahia na primeira metade do século XIX. In: CUNHA, Maria
Clementina Pereira. Carnavais
e outros f(r) estas:
ensaios de historia social da cultura. Campinas, SP: Editora da
UNICAMP, 2005.
· WISSEMBACH, Maria Cristina Cortez. Da
escravidão à liberdade: dimensões de uma vida possível. In: História da Vida Privada
no Brasil.
São Paulo: Cia. das Letras, vol. 3.
Marcadores: Brasil Império, Escravidão
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