sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Anotações sobre a escravidão no Brasil Império...[2]

Sobre a resistência dos africanos a escravidão no Brasil, podemos identificar as insurreições e lutas, causando sempre muito desconforto e medo por parte das elites econômicas, Marcus Carvalho no artigo Os negros armados pelos brancos e suas independências no nordeste (1817-1848) investigou a formação das lideranças populares na região pernambucana e percebeu que alguns indivíduos da gente pobre, parda e negra, ao atuar com regularidade nas tropas das diferentes forças políticas que se confrontavam militarmente naqueles tempos, passavam por um processo de politização que fugia ao controle dos grupos dominantes. Para manter a ordem, as elites armaram os homens pobres; esses, no entanto, entenderam que seus interesses não estavam contemplados naqueles confrontos e "às vezes, eram os desertores, os ex-milicianos a ameaça maior à ordem que eles (como soldados) deveriam ajudar a instituir".
O que ocorreu é que foram formados bandos de ex-milicianos, que na maior parte das vezes possuíam um líder, que segundo o autor era dotado de um carisma especial, assim os liderados agiam conforme sua vontade, mas não por imposição, mas também por vontade própria, pois acreditavam no seu líder e dessa politização ocorrida no momento em que a gente pobre, pardos, negros, mestiços se enfileiravam nos corpos das tropas em alguns momentos, segundo o autor, pode-se admitir que a plebe tornava-se soberana, assim ao armar os pobres para manter a ordem, como eventualmente estes soldados viravam filósofos, o agente da ordem poderia passar a rebelde.
Outra característica que importante sobre a escravidão oitocentista é questão das festas, João Reis observa que em Salvador, após a rebelião dos malês, que foi deflagrada coincidentemente com o momento de festa do Bonfim, o controle sobre estas aumentou, “o controle sobre onde, quando, como trabalhar se complementava com a definição de onde, quando, como e quanto não trabalhar”. O autor ressalta que a festa era a principal atividade dos escravos quando estes não estavam trabalhando, assim se tornou um componente importante para a resistência à escravidão. Havia na verdade duas posições políticas distintas acerca das festas na Bahia, uma de repressão e controle, que temia que as festas, batuques e danças pudesse subverter a ordem européia que fora empenhada pelo já referido sexto Conde da Ponte e outra realizada pelo seu sucessor o Conde dos Arcos, que achava que os escravos sofriam além da conta, tinham parca alimentação e eram demasiadamente castigados e se tivesse seu momento de lazer reprimido poderiam realizar uma rebelião escrava diante de tanto maus tratos.




Fica claro que as festas negras incomodavam e muito os membros da elite, inclusive a imprensa também, o jornal O Correio, levanta João Reis, trazia em suas notícias acerca dos batuques na cidade de Salvador acentuando quase sempre “o exclusivismo africano e o caráter potencialmente revolucionário dos atabaques”. Inclusive tais denúncias, posições políticas, disputas pelo espaço lúdico entre negros e brancos atravessaram décadas dentro do Império, que nos momentos de intensa repressão houve posturas que proibiam a reunião de negros nas ruas, e que também não poderiam circular sem a permissão do senhor durante a noite, suscitou também debates na Assembléia Provincial, onde fora discutido em que lugar poderia haver ou não tais festas, longas discussões se a polícia poderia reprimir tais batuques dentro das casas, definição do que seja público ou privado.
Discussão que Maria Cristina Wissembach aborda nos seu texto sobre as dimensões de uma privacidade possível na passagem da escravidão à liberdade, a autora expõe argumentos de que os libertos após o 13 de maio pouco tempo passavam em suas casas devido a experiência vivida durante o tempo da escravidão, onde maior parte do tempo estavam trabalhando, o lugar de moradia na maioria das vezes sempre foi coletivo, o caso mais exemplar, a senzala. Assim nos primeiros anos após a abolição, por diversos fatores, o local de maior convívio entre os negros foram as ruas, um dos motivos mais citados pela autora é questão da insalubridade das casas, a definição de bairros periféricos e no momento da abolição, a maioria dos escravos deixaram seus senhores, fazendas e engenhos para irem viver nas cidades, o que causou um inchaço demográfico nas principais cidades do país: Rio de Janeiro, São Paulo, São Luís, Recife e Salvador; e no caso da Bahia ainda podemos citar Cachoeira, Santo Amaro e Feira de Santana, deste modo, cidade que já não tinham crescimento planejado, que já vinham em processo de crescimento desordenado, posto que a maioria dos alforriados acabavam indo morar nas cidades mais próximas, no momento do fim da escravidão a maior parte dos ex-cativos se aglomeraram nos centros urbanos.
 
Essa mobilidade para as cidades de um modo geral ocorreu também pelo fato de que ao serem libertos, os escravos em sua maioria acreditavam que enfim teriam acesso ao que sempre lhes fora negado, a posse da terra, contudo não foi isso que aconteceu e relegados a viverem a margem da sociedade rural e muitas vezes não querendo viver na fazenda onde tinha sido escravo iam em direção onde boa parte da produção das fazendas se dirigia, outro fato importante é a questão da família, muitos ex-escravos saíam em busca de seus familiares a fim de reconstituírem suas famílias, aspecto também trabalhado por Walter Fraga que através da análise da trajetória de escravos em Salvador e parte do Recôncavo baiano antes e após abolição, demonstra que estes em sua maioria migraram para lugares onde possuíam familiares ou ainda lugares onde poderiam viver longe das lembranças da escravidão.
Partindo disso, Wissembach ao falar das péssimas condições de moradia nas cidades, ela mostra que a vida coletiva após o 13 de maio sempre esteve presente na vida da maioria dos ex-cativos, pois além de passarem a maior parte do tempo nas ruas trabalhando, ou como vadios, nos momentos que estavam em seus ambientes particulares, dividiam quintais, tanques para lavar roupa, quando não iam lavar nos rios, etc. Outro elemento abordado por Walter Fraga, é que encontramos muitos ex-cativos nas greves operárias do início da República, ou seja, as experiências e o cotidiano da senzala não sumiram com a Abolição como às vezes a historiografia parece demonstrar, os trabalhadores livres do início da República são oriundos em sua maioria das senzalas da escravidão do fim do século XIX, que vale ressaltar, época em que a campanha abolicionista ganhou mais vigor e adeptos, e que nas fábricas continuaram lutaram por melhores condições de trabalho, moradia e lutando pelo acesso a uma vida digna que a lei Áurea pareceu ser a possibilidade concreta disso, mas logo muitos perceberam que a cidadania almejada ainda estava longe de ser conquistada.
Assim, estes são alguns elementos que perpassaram a escravidão no Brasil oitocentista, ainda há muitas lacunas a preencher e estas observações são apenas um grão de areia na imensidão de dunas que é a seara do campo da escravidão no Brasil, cheia de conflitos, releituras por parte de negros e brancos, situações particulares e específicas que ainda hão de ser elucidadas.



·     CARVALHO, Marcus J.M. Os negros armados pelos brancos e suas independências no Nordeste (1817-1848) In: JANCSÓ, István. Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec: FAPESP, 2005.

·    FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia, 1870-1910. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 2006.

REIS, João José Reis. Tambores e temores: a festa negra na Bahia na primeira metade do século XIX. In: CUNHA, Maria Clementina Pereira. Carnavais e outros f(r) estas: ensaios de historia social da cultura. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2005.

·      WISSEMBACH, Maria Cristina Cortez. Da escravidão à liberdade: dimensões de uma vida possível. In: História da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, vol. 3.

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