Falando Superficialmente sobre imagens invisíveis: a linguagem visual das cidades...
É inegável que na sociedade ocidental as cidades
passaram ao centro da vida da maioria dos indivíduos. No ambiente urbano ocorre
a maioria das relações do mundo contemporâneo; as ruas, os edifícios e os
bairros contêm os elementos da vida cotidiana das pessoas ao mesmo tempo em que
estas inscrevem suas experiências e constrói a cidade à medida que vão
habitando-a.
Ao caminhar pela cidade os cidadãos apreendem
continuamente as suas imagens. Sobre o conceito de imagem convém ressaltar sua
definição a partir da etimologia: do latim imago, imagem
significa representação visual de um objeto, tendo no grego o termo eidos (ideia) como correspondente. Deste
modo, entende-se que à medida que os transeuntes apreendem as imagens da cidade,
também constroem suas ideias, isto é, projeções mentais daquilo que percebem. Esta
apreensão da cidade através dos sentidos e como cada indivíduo pode ter sua
própria leitura nos livros estão nos livros As
Cidades invisíveis (Ítalo Calvino) e A
Imagem da Cidade (Kevin Lynch).
Em As Cidades
Invisíveis, obra ficcional, à medida que as cidades são descritas, fica
claro a singularidade de cada uma delas segundo aqueles que lá vivem ou por lá
passam. Calvino construiu sua obra a partir do diálogo entre o viajante Marco
Polo e o imperador mongol Kublai Khan, onde o viajante descreve cinquenta e
cinco cidades agrupadas em onze tipos, a saber: “As cidades e nome”, “As cidades e a memória”, “As cidades e o
desejo”, “As cidades e os símbolos”, “As cidades delgadas”, “As cidades e as
trocas”, “As cidades e os olhos”, “As cidades e os mortos”, “As cidades
ocultas”, “As cidades contínuas”, “As cidades e o céu”. Embora seja uma
obra de literatura, ao ler As Cidades
Invísiveis se reconhece as variáveis maneiras de se olhar e pensar a
cidade:
“Também
retorno de Zirma: minha memória contém dirigíveis que voam em todas as direções
a altura das janelas, ruas de lojas em que se desenham tatuagens na pele de
marinheiros, trens subterrâneos apinhados de mulheres obesas entregues ao
mormaço”. (CALVINO, 2003. p. 11.)
Discutindo
o aspecto das cidades, Kevin Lynch, percebendo-a como algo para ser
contemplado, afirma que a cidade é
uma construção no espaço. Desta maneira, todo cidadão possui relações com
algumas partes da cidade e a sua imagem está impregnada de memória e significação. O
tema da interação entre a cidade edificada e a cidade evidenciada permeia todo
o livro. Através de entrevistas em três cidades estadunidenses, o autor
procurou estabelecer balizas para as percepções de cada cidade, quais as
maneiras de se localizar espacialmente e qual imagem os cidadãos tinham para cada
paisagem urbana.
“A cidade não é apenas um objeto perceptível (e talvez apreciado) por
milhões de pessoas das mais variadas classes sociais e pelos mais variados
tipos de personalidades, mas é o produto de muitos construtores que
constantemente modificam a estrutura por razões particulares”. (LYNCH, 1996. p.
12)
Neste
sentido, a cidade se configura como o resultado da confluência dos sentidos e
para Lynch é imprescindível na composição do ambiente visual, fatores como:
legibilidade, estrutura, identidade, significado e imaginabilidade. Ao definir
estes conceitos Lynch se aproxima das características apontadas por Calvino
quando descreve as cidades do subgrupo “As
cidades e os símbolos”; no conjunto das cidades deste subgrupo depreende-se
que a paisagem urbana vai para além do conjunto edificado, tendo em vista que
por meio de estruturas com significados diferentes o individuo tem para si uma
cidade impregnada de enigmas.
“O olhar percorre as ruas como se fossem páginas escritas: a cidade diz
tudo o que você deve pensar, faz você repetir o discurso, e, enquanto você
acredita estar visitando Tamara, não faz nada além de registrar os nomes com os
quais ela define a si própria e todas as suas partes”. (CALVINO, 2003. p. 09)
Para
Lynch é essencial que as cidades possuam qualidade visual, isto é, uma
estrutura de símbolos reconhecíveis, posto que a cidade seja objeto de
percepção de seus habitantes. Quando a rede de símbolos é bem definida e com
distinções claras os indivíduos tem maior segurança para transitarem pela urbe.
Assim, a cidade é potencialmente o símbolo poderoso de uma sociedade complexa. Estes
símbolos se constroem gradativamente e uma imagem de uma dada realidade pode
variar significativamente entre diversos observadores, contudo observa-se que
são possíveis imagens públicas, ou seja, projeções mentais comuns a um grande
número de indivíduos de uma cidade.
Possuindo uma imagem legível, o habitante de uma
cidade passa a compô-la segundo sua subjetividade. Disto decorre a
identificação de um objeto distinguindo-o de outras coisas (identidade) e a
relação do espaço com o observador e com outros objetos (estrutura). Todavia, para
Lynch, a estrutura e a identidade só fazem sentido na medida em que haja um
significado prático e/ou emocional. Relacionando as partes físicas da cidade
com as imagens de seus habitantes chega-se ao conceito de imaginabilidade: “àquela qualidade de um objeto físico que
lhe dá uma grande probabilidade de evocar uma imagem num dado observador” (LYNCH,
1996. p. 20.). Entretanto, a falta destes elementos na paisagem urbana pode
levar a um grande caos e a insegurança daqueles que se movimentam pela cidade,
exemplo disso está na cidade Zoé em As
cidades invisíveis:
O viajante anda de um lado para o outro e enche-se de dúvidas: incapaz
de distinguir os pontos da cidade, os pontos que ele conserva distintos na
mente se confundem. Chega-se a seguinte conclusão: se a existência em todos os
momentos é uma única, a cidade de Zoé é o lugar da existência indivisível.
(CALVINO, 2003. p. 17.)
Como
resultado das entrevistas realizadas para a elaboração do livro, Lynch afirma
que dentre as imagens concebidas pelos indivíduos, cinco elementos são comuns a
qualquer habitante na sua composição imagética da cidade: as vias, os limites, os
bairros, os cruzamentos, os elementos marcantes. Estes elementos não são
apreendidos de uma só vez e cada um possui características próprias, por
exemplo: penetráveis (cruzamentos, bairros) ou impenetráveis (pontos
marcantes); de caráter primário (vias) ou secundário (limites), dentre outras
características.
A leitura das duas obras permite uma maior
visibilidade sobre os aspectos imagéticos de uma cidade, posto que através dos
conceitos práticos discutidos por Lynch e a beleza estética desenvolvida por
Calvino se chega a imagens variadas sobre os detalhes da cidade como um todo,
tendo assim uma infinidade de temas que podem ser abordados a partir da leitura
de A imagem da cidade e de As cidades invisíveis. Aqui foram privilegiados
os aspectos referentes aos símbolos e a leitura dos mesmos. Umas das
ilustrações que Calvino oferece acerca das cidade é que elas são feitas de
matérias manipuláveis e altamente mutáveis e que os elementos que distinguem
uma cidade da outra são na verdade identificadores a todas as cidades de uma
maneira geral, o que torna uma paisagem urbana singular em relação a outra é a
relação do observador com seu objeto: a cidade; e que segundo Lynch, isto se dá
por meio da linguagem visual que ela oferece.
REFERÊNCIAS:
· CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. Tradução Diogo
Mainardi. São Paulo: Biblioteca Folha, 2003.
· LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Tradução Maria
Cristina Tavares Afonso. Lisboa: Edições 70, 1996.
· SABOYA, Renato.
Kevin Lynch e a imagem da cidade. Disponível em: <http://urbanidades.arq.br/2008/03/kevin-lynch-e-a-imagem-da-cidade/>.
Acesso em: 07/06/12.
· ZIGGIATTI,
Evandro Monteiro. Cidades visíveis
visitadas: Uma leitura de Ítalo Calvino para compreender a paisagem urbana.
Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/08.085/3050>. Acesso em: 06/06/12.
*As imagens são pinturas de Nora Sturges inspiradas
nas viagens de Marco Polo presentes na narrativa de Ítalo Calvino: As cidades invisíveis.
**Por fim, uma animação baseada em uma das cidades descritas por Marco Polo:
AS CIDADES E O DESEJO 5:
Marcadores: Cidades e Urbanismo
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