Outra órbita...
Uma
tarde nublada de sábado, um passeio despretensioso, previa-se passar por
lugares já anteriormente vistos. Destino: rota do Aqueduto da Água da Prata. Sendo
um roteiro já visitado poder-se-ia pensar em poucas surpresas. E enquanto se
caminhava, margeando a estrada que liga Évora a Arraiolos, de novo se tinha a
entrada do Convento de Santa Maria Scala Coeli, popularmente conhecido como
Convento da Cartuxa*.
Ao
adentrar no caminho que dá ao seu portão principal sobreveio novamente todo
encanto e magia que os ares deste convento proporciona. Próximo a seu portão
principal havia um carro, coisa estranha na porta de um convento em que tem
característica semi-eremítica de clausura monástica. Ao chegar mais perto
percebeu-se que também eram curiosos que observavam entre as frestas do portão
a esplêndida fachada renascentista em mármore.
Enquanto
os curiosos se entreolhavam naquele ambiente sereno, surgiu por detrás do
grande portão de ferro um senhor de aparência jovial e vestido de hábito branco,
era um irmão do convento. Ao se aproximar da gente, meio desconfiado nos pediu
educadamente que saíssemos da linha do portão, para que aqueles que estavam do
lado de dentro não nos avistasse. Apesar de soar estranho, o que acontece é que,
na ordem dos cartuxos, os irmãos (no convento só há homens) vivem todo o tempo em
clausura (e esta foi minha alegria, pois é pouco provável que encontre um
cartuxo novamente).
O
simpático irmão cartuxo começou explicando que saiu de lá de dentro achou um de
nós conhecido, pois era aniversário dele, e por isso excepcionalmente ele
estava esperando visita de uns amigos. Talvez por isso ele se aproximou tão
desconfiado e um tanto quanto desapontado, mas não deixou de nos receber a
frente de sua casa há 46 anos, o Convento da Cartuxa.
Um
encontro inusitado e uma conversa cheia de raridades, o irmão cartuxo para
puxar assunto começou falando de como tinha entrado na Ordem dos Cartuxos** há
46 anos, e naquele sábado completava 75 anos de vida. Contou sua história
falando que era moçambicano, mas quando jovem fora estudar no liceu de Lisboa. Após
ter sido reprovado algumas vezes, foi presenteado com um livro de devoção ao
Sagrado Coração de Jesus e que naquele livro ele encontrou alguém que o amava
do jeito que ele era, sentiu acolhido por Jesus e decidiu dedicar sua vida
inteiramente a Ele. Ao entrar na Ordem, deixou tudo para trás e talvez para
frente, pois diante do caráter semi-eremítico e dos votos de pobreza da ordem,
os irmãos cartuxos até pouco tempo não tinham eletricidade no convento, eles quase
não possuem eletrodomésticos, muito menos eletroeletrônicos. Quando saem para
passear já não vão a pé, pois Évora já é uma cidade “grande” e com muitas
pessoas, por isso vão de automóvel vendo a paisagem, escolhem lugar ermo e
caminham para contemplar a paisagem.
Com
um falar manso e ligeiro ao mesmo tempo, acredito que também curioso com nossa
presença, ele nos perguntou de onde éramos: havia ali diante dele dois brasileiros,
uma espanhola e três portugueses. Ao falar do Brasil, ele comentou que tinha
algum parente casado com uma brasileira e ainda nas incursões sobre dialogar
com um mundo exterior falou de um primo que era jogador de futebol, um tal de
Juca*** que jogou pelo Sporting de Portugal e também de Pepe, um jogador
brasileiro que ele conhecia. Pepe? Ah! O Pepe do Santos, aquele da época de
Pelé. Pois, esta é a noção de tempo do nosso amigo cartuxo: o tempo em que ele
entrou na Ordem, depois disso já não há outra vida se não dedicar-se as coisas de
Deus sob a proteção de Nossa Senhora, a quem é dedicado o convento de Évora sob
a invocação de Scala Coeli (escada do
céu).
Já
no fim do assunto, mas sem muito que dizer pediu para que rezássemos por ele e nos
perguntou nosso nome, mas afirmando que não demoraria a esquecer. Ao saber que
meu nome era Rafael prontamente indicou que aquele sábado 29/09/12 era o dia
dos Santos Arcanjos. Em seguida, perguntei seu nome e o irmão cartuxo se apresentou
como Antônio Maria para enfim nos despedirmos.
Para
finalizar, fiquemos com o lema da Ordem dos Cartuxos: “A Cruz permanece intacta enquanto o Mundo dá sua órbita”.
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